sábado, 13 de dezembro de 2014

Lenda de Sião...


Sião, muitas luas atrás...

Dizem, em Sião que quando um homem se apaixona por uma mulher profunda , louca e irremediavelmente, ele é capaz de fazer qualquer coisa para mantê-la ao seu lado, agrada-la, fazê-la feliz e valorizá-la.

Certa vez, houve um príncipe de Sião que se apaixonou com essa força por uma mulher de rara beleza. Ele persistiu e a conquistou, porém, algumas semanas antes do casamento - celebração que incluiria uma festa nacional -, o príncipe ficou preocupado.

Ele sabia que devia, de alguma maneira, provar o seu amor por ela com um ato de heroísmo e poder, que uniria os  para sempre. Ele  precisava encontrar algo tão raro e belo quanto sua amada. Depois de muito pensar, chamou os três servos em que mais confiava e disse a eles que deveriam fazer: 

-Ouvi historias sobre a orquídea negra, que floresce  no nosso reino, no alto das montanhas do norte. Quero que a encontrem e a tragam para que eu  a dê à princesa no dia do nosso casamento. Aquele que me trouxer a orquídea primeiro será recompensado com um tesouro que o fará um homem rico. Os dois que falharem não viverão para assistir ao meu casamento.

O coração dos três homens, ao se curvarem em frente ao príncipe, se encheu de terror, pois sabiam que estavam diante da morte. A orquídea negra era uma flor mítica, assim como os dragões dourados e cheios de joias que adornavam as proas dos barcos reais, que levariam o príncipe ao templo onde se casaria com a nova princesa. Era uma lenda!

 Naquela noite, os três homens voltavam para as suas famílias e se despediram. No entanto um deles, deitado nos braços da esposa que chorava, era mais esperto que os outros e tinha ainda mais vontade de viver do que eles.  Quando chegou a manhã , ele havia traçado um plano. Partiu para  o mercado flutuante, que vendia temperos, sedas e flores . Lá, usou moedas para comprar uma linda orquídea de um rosa muito intenso, repleta de pétalas escuras e aveludadas.

Depois, andou com a flor na direção dos estreitos klongs de Bangkok  até achar o  escriba sentado entre rolos de pergaminhos na escura e úmida  sala de trabalho, nos fundos de sua loja. O escriba já  havia trabalhado no castelo, era assim que o servo o conhecia, mas seu trabalho fora considerado indigno devido a algumas imperfeições na sua letra.

-Sawaldee krup, escriba. - o servo colocou a orquídea sobre a escrivaninha. - Tenho uma tarefa para  nós dois e, se você me ajudar, posso oferecer riquezas com as quais você apenas sonhou.

O escriba, que havia sido obrigado a escrever por dinheiro para sobreviver desde sua saída do palácio, olhou para o servo com interesse.

-Como faríamos isso?

O servo apontou para a flor.

-Quero que use sua habilidade com as tintas e pinte as pétalas dessa orquídea de preto.

O escriba franziu as sobrancelhas ao olhar o servo e analisou a planta.

-Sim, é possível fazer isso, mas, quando crescerem novas flores, elas não serão negras e você será descoberto.

-Quando crescerem novas flores, você e eu estaremos a muitos quilômetros daqui, vivendo como o príncipe a quem sirvo - respondeu o servo.

O escriba balançou lentamente a cabeça enquanto pensava na proposta.

-Volte aqui ao cair da noite e você terá sua orquídea negra.

O servo voltou para casa e pediu à esposa que arrumasse seus escassos pertences. Prometeu-lhe que, depois, ela poderia comprar o que seu coração desejasse e que ele daria a ela um lindo palácio, muito longe dali.

Naquela noite, ele voltou à loja do escriba e perdeu o fôlego de alegria ao ver a orquídea negra sobre a escrivaninha. Observou as pétalas e viu que o escriba havia feito um excelente trabalho.

-Está seca - comentou o escriba - e a tinta não sairá nos dedos de quem quiser tirar a prova. Eu mesmo testei. Teste você.

O servo testou e viu que seus dedos não ficaram sujos de tinta.

-Mas não sei dizer quanto tempo irá durar. A umidade da própria planta molhará a tinta. E ela nunca deve ser exposta à chuva, é claro.

-Está boa o suficiente - afirmou o servo, pegando a flor. - Estou indo para o palácio. Encontre-me às margens do rio à meia-noite e lhe darei sua parte.

Na noite de seu casamento com a princesa, e depois de haver compartilhado seu dia de felicidade com o reino, o príncipe entrou em seus aposentos privados.

A princesa estava no terraço, olhando o rio Chaopraya, que ainda estava iluminado com os reflexos dos fogos de artifício disparados para celebrar sua união com o príncipe. Ele foi para perto dela.

-Meu único amor, tenho algo para você. Algo que representa sua raridade e perfeição.

Ele lhe entregou a orquídea negra, que estava dentro de um pote de ouro sólido enfeitado com joias.

A princesa olhou a flor e as pétalas negras como a noite, que davam a impressão de sofrerem sob a pesada cor produzida por sua espécie. A planta parecia cansada, murcha e malévola com sua escuridão antinatural.

Porém, ela sabia o que estava segurando, o que significava e o que ele havia feito por ela.

-Meu príncipe, é primorosa! Onde a encontrou? - ela perguntou.

-Procurei pelo reino, de uma ponta a outra. Tenho certeza de que é única, assim como você.

Ele olhou para ela, com todo o amor que sentia brilhando em seus olhos.

Ela viu aquele amor e acariciou delicadamente o rosto dele, esperando que ele soubesse que era correspondido e que sempre seria.

-Muito obrigada, é linda.

Ele agarrou a mão dela em seu rosto e, ao beijar seus dedos, foi tomado pelo desejo de possuí-la por inteiro. Era noite de núpcias e ele havia esperado um longo tempo por isso. Tirou a orquídeas mãos dela, a apoiou no terraço, abraçou a princesa e a beijou.

-Venha para dentro, minha princesa - ele murmurou em seu ouvido.

Ela deixou a orquídea negra no terraço e o seguiu até o quarto. Um pouco antes do amanhecer, a princesa se levantou e saiu para dar bom-dia à primeira manhã da nova vida dos dois. Ela viu, pelas poças rasas, que havia chovido durante a noite. O novo dia estava nascendo, o Sol ainda estava meio escondido pelas árvores do outro lado do rio.

No terraço, havia uma orquídea rosa e magenta, no mesmo pote de ouro que o príncipe entregara a ela. A princesa sorriu e tocou as pétalas da flor, agora limpas e saudáveis por causa da chuva, muito mais bonita do que a mesma orquídea negra que o príncipe dera para ela na noite anterior. Um suave tom de cinza tingia a poça ao redor dela.

Por fim, ao entender o que acontecera, ela pegou a flor e cheirou seu divino perfume, ponderando sobre o que fazer. Era melhor contar uma verdade para ferir ou uma mentira para proteger?

Alguns minutos depois, ela voltou para o quarto e se aconchegou novamente nos braços do príncipe.

-Meu príncipe - ela murmurou enquanto ele acordava -, a orquídea negra foi roubada durante a noite.

Ele se sentou de repente, horrorizado, pronto para chamar os guardas. Ela o acalmou com um sorriso.

-Não, meu querido, eu acredito que ela nos foi dada apenas por uma noite, a noite em que nos tornamos um só, quando nosso amor floresceu e nos tornamos parte da natureza também. Não podíamos presumir que ficaríamos com algo tão mágico só para nós... E, além disso, ela iria murchar e morrer... E eu não aguentaria.

Ela pegou a mão dele e a beijou.

-Vamos acreditar no poder dela e saber que sua beleza nos abençoou na primeira noite de nossa vida juntos.

O príncipe pensou por alguns instantes. Depois, como amava a princesa com todo o seu coração e estava feliz por ela agora ser inteiramente dele, não chamou os guardas.

À medida que ele envelheceu e a união deles se provou bem-sucedida e abençoada com uma criança concebida naquela noite, e muitas outras depois, ele acreditou por toda
a vida que a mística orquídea negra lhes havia emprestado sua mágica, mas não pertencia a eles.

Na noite depois do casamento do príncipe com a princesa, um pobre pescador estava sentado nas margens do Chaopraya, a algumas centenas de quilômetros do palácio real. A linha de pesca estava vazia havia duas horas. Ele se perguntava se os fogos de artifício da noite anterior haviam espantado os peixes para o fundo do rio. Não pegaria nada para vender e sua família passaria fome.

Conforme o Sol subia acima das árvores da margem oposta para jogar sua luz abençoada sobre a água, ele viu alguma coisa brilhar entre os restos de algas verdes que flutuavam pelo rio. O pescador deixou a vara e entrou na água para pegá-la. Agarrou-a antes que flutuasse para longe e puxou um objeto coberto de algas para a margem. Ao remover as algas, que visão! Um pote feito de ouro sólido, decorado com diamantes, esmeraldas e rubis!

Esqueceu-se da vara, guardou o pote em sua cesta e partiu para o mercado de joias na cidade, sabendo, com o coração transbordando de felicidade, que a família nunca mais passaria fome.

A Casa das Orquídeas - 
Lucinda Riley
(páginas de 07 a 11).

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